Encontrei-te nas ruas enroladas,
da subida ao ponto mais alto que víamos quando te encontrei sozinha no telhado,
sempre fui cego e fiz dessa minha cegueira mote, sempre foi bom ser mal amado e
ser desprezível, é uma condição de ser humano, o Homem é mau, velhaco e
traiçoeiro tal como eu, tal como ele, tal como ela, todos, a ver bem até tu.
Encontrei-te junto a uma praça de
morte enquanto passava de olhar rente à vergonha, - o táxi parou junto ao
cruzamento - que atravessávamos quando íamos a caminho de Londres, passando por
Paris numa louca correria, - numa procura, - que não éramos nós, era um encanto
por um novo estar que nunca chegou a ser ser, foi só vento que o atravessou,
frio ar forte que abalou minha alma e embalou teu corpo ao meu - ou esqueces
que foste tu que me procuraste e ofereceste tua mão, que me prometeste ajuda, cantigas,
livros e poemas mesmo antes de tentar por eu a mão no teu bolso, nas abas
largas do casaco negro que te cai sobre as costas. Prenuncio queirozíano.
Encontrei-te na estação onde te
ia esperar, quando lá passo fecho os olhos para não te recordar, sentada no
banco de madeira enquanto escorria água para velhos baldes num sítio onde as
cores e as formas de estranhos animais nos baralham o pensamento, um encontro
quase perfeito na escadaria que une o cais. - E lá estás tu. - Com o olhar
vazio num pensar constante e numa beleza só tua, plural e em cada oração única.
Encontrei-te em convulsão -
passeios longos pelas ruas desta cidade maldita, pelos velhos quarteirões e
novos bairros inteiros, cheios de gente sem interesse para descobrir. Já nem a
procura nas ruas faz sentido, pois nelas estão cravadas palavras que levam a
ti, ao saudosismo inútil e a este encontro inevitável.
Encontrei-te no fundo do copo, na
ultima garrafa de aguardente, encontrei-te no saco vazio e mastigado, lado
negro, saboroso, que alivia este pesar sentido que habita em mim, - o que te
levou a desistir, - como bem te compreendo o cansaço, se de mim próprio já
desisti à muito. És em mim o que resta do carinho e a mágoa que fica por partir
assim.
Encontrei-te e escondi-me na luz
alva da claridade para que teus olhos claros ficassem ofuscados por algo que
não a minha presença. Essa presença demasiado constante, castradora,
desesperada, já passou. O tempo ensinou que não pode ser assim, escolho a
solidão, porque tudo é uma escolha, o dar a mão e o abandono, o eterno e o
passageiro, a bondade e a vilania, a nada se pode retirar valor.
Enquanto a vida acontece e o
tempo passa encontro-te noutros corpos e noutras camas que não aquela - daquele
quarto baixo, - a meio andar de altura, numa casa onde entrou o sol que és pela
vidraça do sótão, no pequeno quintal com vista para o vizinho, com jarros de
álcool fresco e onde todas as manhãs eram de anseio a voltar a ter-te junto a
mim, pela noite, num abraço, até ao raiar da madrugada.
Encontro-te.
Encontro-te em sonhos, em ruas,
casas e leitos alheios, vivo numa eterna lembrança e encontro-te quando lês as
palavras que escrevo. Encontro-te quando choras por não saber sentir, por
quereres sempre a fuga e o teu olhar
perdido no horizonte. Encontro-te na música, nas notas suaves que entram e saem
de mim, sempre com o teu fogo no pensamento. Encontro-te quando me perco nos
acordes que invento na lembrança do teu rosto. Encontro-te entre as folhas do
chá que bebo, num copo azul turquesa pela manhã e num roxo gasto pela noite,
encontro-te aí, escrita no fundo, marcada pelas folhas de chá ressequidas pela
madrugada. Encontro-te quando já nada parece focado, quando tudo é uma triste
vontade-fé, ser poeta e pouco mais, recolhe-te ao vento pois as velas cessaram
num recolher do dia. O maior erro será ser quem sou, em teimar o encontro na
paisagem, no espaço perdido entre estar aqui e encontrar-te no tempo, ignóbil
ideia de musa, argumento de argila - tal ente verme que percorre os canais
secos que são minhas veias, tal como no encontro do ventre num corpo semi-vivo
de uma deusa, morena de lábia astuta e firme. Mesmo aí, não tenho fuga.
Sempre te encontro.
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