Como sempre e para não ser
diferente, ele está sentado na esplanada verde e enquanto sorve as ultimas
noticias do jornal já tardio, vira costas à rua e à janela. Tenta concentrar-se
no verde que tem à sua frente enquanto desculpa para não pensar, e enquanto o
não pensamento avança outros se infiltram, como se fossem aquelas odiosas manchas de bolor que existem pelos prédios
desta cidade, bela e podre. Podre por ser bela, bela por ser podre. Esses
enviados do mal, entram devagarinho pelas sinapses do não pensador, ele evita a
todo o custo que eles não entrem com mais um cigarro e uma lambidela rápida
pela politica internacional, que seca. Tem a tentação de olhar para trás. Quer
ver o que não quer, está à procura, nessa incansável busca por aquilo que mais
anseia, um reencontro impossível, um abraço espontâneo, um beijo roubado.
Pensamentos vis passam, o não pensador agora depara-se em pleno pensamento, quais
serão as escadas e os caracóis que passam, será do fogo, do calor da
aguardente, do discutir de ideias na varanda como nunca fiz, será por causa das
vielas, das paisagens novas que estas ruas trazem consigo, será da descoberta
ou do medo incrível da não aceitação, solidão, solidão, porque raio vens com o
pensamento.
Virou-se na cadeira.
Não para o lado e muito menos de
pernas para o ar, virou-se para dentro, ou mesmo tempo que o corpo se contorcia
numa agonia imensurável, estava em plena lucidez e os demais por nada deram a
não ser por um tipo que estava a suar um bocado, maldita ideia esta da
aceitação. Enquanto se virava para dentro recorria novamente ao não pensar mas
este agora já não resulta, já lá foi o verde, o café e o jornal tardio, os
pássaros que cantam nas árvores e tudo mais que o não pensador utiliza para não
pensar. Os pensamentos infiltrados levam a mente a trazer à tona tudo o que o
não pensador não quer pensar, nas amadas perdidas, da enorme vontade pela
verdade, pelo desejo em não sentir, das janelas e conselhos tomados em vão, das
manipulações, das palavras mal entendidas e dos poemas mal lidos, são suaves
momentos de agonia que o não pensador pensa, queria ele não pensar, a saudade é
um parasita, está cá dentro, existem emoções que nos vão perseguir para sempre,
emoções de bem e mal, momentos de alegria e até felicidade, dor da perca de
alguém que nos faz falta juntamente com os poemas do Ary, construções arcaicas
do que são os alicerces do peito. Contorce-se o mundo à volta. Vê coisas, tem
alucinações tão claras como água pura num copo de cristal, julga acontecer o
acalmar dos seus anseios, sonha com o tal beijo roubado, com os locais que lhes
foram queridos e engana o pensamento, pensa na calma e não pensa novamente, e
novamente num sufoco tudo acalma, a realidade volta, os pássaros voltam a
cantar e o verde está mais verde do que nunca. Repara que não se voltou na
cadeira, que resistiu à tentação de partir naquela busca desenfreada por algo
que já não vem. Respira fundo e acaba o café e o jornal tardio. – Está tudo
bem. – diz em surdina.
Ela senta-se na cadeira à sua
frente.