segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

“Inebriados vão os corpos a caminho de sua casa.” 
Mal me lembro de quem me cantou estes versos, sua cara já é longínqua para mim (e a ideia de que tenho um irmão de sangue, não faz menor sentido.). Perdi-me no tempo e não consigo medir palavras, como me livrar desta carpideira que vive dentro de mim, que coisa, já chateia [tantas mulheres amaste assim]. Já que falas nisso [falo]-te numa que não amei mas que desejo, que sempre desejei, aquela que me escapou (afinal, até demais foram),[as que te escaparam] mas falemos só desta.
Cobiçada por muitos (amada quase por ninguém,) foi moçoila que veio de foram, seus pais imigrantes, concierges ou como raio se chama e que tais, reuniram seus trocos e vieram de volta à pátria amada para construir seu negócio, um restaurante, salão de actividades, tasca e recreio para a criançada da zona, sim zona, porque não podemos falar de bairros, pois ali de uma ponta a outra da localidade podem-se perder longas horas [lembras-te quando ias à fonte?!](é pá, cala-te, deixa-o cantar esta cantiga) tinha um nome dos astros esse espaço, poucas vezes lá fui, ficava distante, mas lembro dela, lembro muito bem, seu rosto alvo como nunca vira, cara pintada por pequenas sardas de um tom quase carmesim, cabelo negro cortado curto e sempre solto, escorrido como uma cortina de negra doçura, olhos escuros e ternurentos como se tivessem saído de um conto do Eça, lábios finos, cetim, desenhados a pincel por um grande mestre, digamos.. Italiano, veneziano ou qualquer um para esses lados, da altura do Manuel Barbosa e doutros bêbados como tal.
..
Perdi-me[te](mo-nos),
Seus lábios lembram-me a sede, a sede imensa que há dentro de mim, corpos, corpos nus e entrelaçados, corpos. Corpos que se tocam e beijam, mordem e vibram, tal como uma terceira menor em lá, faz vibrar em mim uma nota que só eu consigo ver, sentir e por fim ouvir, aroma silvestre do que podia ter sido um puro amor, amor perdido entre lutas de uma elite derrotista, aquela que nos levou a afastar (eras de tão longe, nunca fomos de lá, quanto mais a ré), seu noivo, pois noivo, pensavas que estava a brincar, ali não se brinca, dás dois beijos na cachopa, a seguir aperta-la bem e no dia seguinte está-se na tasca a falar com o pai e a combinar o almoço-ceia do próximo domingo porque entretanto há caçada e vinho. Pobres infelizes, como diria minha mãe: “Nunca passaram a ponte da vala” – Nem eu nunca pensarei que algum dia passarão, perdoem este meu preconceito, mas ainda não aceito a forma como fui escorraçado, vejam bem onde estão, onde estamos, não quero transparecer demasiado orgulho nem falta de humildade nos meus meus feitos, mas porra, verdade seja dita, acabo por ascender, por entre a merda escura que tive que comer, e consigo agora olha-los a todos de cima. No fundo há finalmente uma luz e sempre ouve uma estrela que brilhou mais alto, eles parados no tempo ficaram, continuam nas caçadas, e nos copos na tasca, restaurante, recreio da criançada da zona e salão de actividades, sei que ela fugiu, tal como eu [tu (nós]), para minha felicidade. [a felicidade constroi-se, não aparece e desaparece, isso são momentos, momentos que depois trazem saudade e recordação]
..
Mas já vos disse como era bela?! E o quanto a desejava!? Ela sempre o soube, trocámos olhares pelos pátios da escola, aquela escola de betão pintado de rosé vómito e amarelo canário morto à três semanas, onde se  podia fumar debaixo do telheiro no interior quando estava a chover, [tempos loucos..] onde o sentir não era permitido, onde haviam as curtes típicas da idade e amores que ficaram para sempre, não sou um saudosista, apenas constato factos que são inegavéis, o tempo era diferente, elas não cresciam tão depressa e uma menina-mulher no meio de tanto trambolho provinciano acabava por ser oásis a quem deseja sempre o poder de uma musa (nem que seja pelo simples prazer da inspiração, teu cabelo fogo). Lembro-me que lhe compus os meus primeiros acordes, que ainda hoje toco e que na realidade serviram para reclamar uma outra musa, aquela que me levou á fonte tanta vez, a comer chocolates e com uma companhia que também sofria do mesmo mal de mal amar, noutro contexto, mas no mesmo sentimento (fiquemos na mesma estória). Ainda lhe roubei um beijo, numa rua deserta depois das aulas onde li uns poemas inflamados do Ary, que me valeram louvores de poucos e vaias de muitos, depois ficámos corados a olhar um no outro, não sabíamos o que dizer, estávamos a pisar terreno proibido e a iludir a realidade que vivíamos. Sabíamos bem que não podíamos continuar, que os nossos caminhos já estavam traçados pelo inevitável fado da distancia e da solidão que habitava nos nossos peitos [a solidão vem de longe(]de sempre diria eu). Muita merda escorreu depois, cheguei até a levar uma batatada só porque ela usou o meu telefone uma vez e isso desencadeou uma imensidão de ciume rural que culminou comigo agarrado ao nariz enquanto tentava ler o jornal. O tempo passou e tornámo-nos ausentes, deixámos de falar e de nos encontrar, ainda o fizemos às escondidas alguns anos depois, apenas para partilhar a solidão, ler uns poemas e delicadamente degustar umas garrafas de vinho doce, que ela tanto aprecia. Seguimos os nossos caminhos, aqueles já traçados desde o primeiro dia em que os nossos olhos se haviam encontrado. Pouco sei dela agora, sei que não se chegou a casar com o tipo idiondo do talho, das caçadas e da ruralidade a roçar a besta, fez um curso superior e trabalha na revenda pois os anos de estudo e dedicação apenas foram ingratos para ela, como para tantos outros. Fez amigos com quem partilha a solidão agora e tem um companheiro que a ama e é feliz.
É o que me basta. [cala-te]

Sem comentários:

Enviar um comentário