domingo, 6 de janeiro de 2013

Carta aberta ao Cliché



Lisboa, 6 de Janeiro de 2013.

Porque raio é mau sentir os ardores dos poetas?! Querer andar de boca rasgada e peito ensanguentado enquanto se vai largando em pequenos pingos rubros aquela coisa, a que se chama dor, pelas pedras gastas destas calçadas velhas e cada vez menos sedutoras, nem mesmo para  dormir, quanto mais para tirar peso. Detesto esta cidade. Tudo me lembra a ti, e tu tudo me lembras. Venho à semanas a caminhar por entre as ruas, à procura de algum sentido para o quer que seja, estou farto, cansado da lenga-lenga em que amanha é outro dia, que o tempo tudo cura, que devemos andar de cabeça erguida. Que mentira, porque razão devo eu  acreditar nela, o tempo tudo cura, isso sim é verdade meu amor, é tão universal e abstracto que nunca o conseguimos compreender, quanto mais vencê-lo e mais cedo ou mais tarde ele leva-nos até lá, nem que seja ao ceifeiro. O dia de amanha pouco interessa pois já o de hoje é como o de ontem foi. De cabeça erguida, ando sempre, é a única e querida mascara que ainda uso, embora difícil seja esconder a tristeza e a desilusão, consigo em pleno circular por entre os outros (lembras?!.. os outros?!..) com uma singela expressão de vazio que em muito é reconfortante para quem olha para nós.
Uma confissão faço. Pouco mudou mas o que mudou foi muito. Não sou assim tão diferente do que fui, continuo com a ansiedade sempre no peito, na solidão uma velha companheira com quem posso desabafar, é verdade, no fim e no resto de tudo é o que impera, só ela fica, não precisa ser mau basta que a abracemos e compreendamos que nela está o espelho do nosso ser, são só nestes momentos de plena solidão é que nos descobrimos, a mente leva para sítios onde antes não conseguia chegar, pensamos nas montanhas, ou nas ondas do mar que nos são amadas, resolvemos as desconfianças e criamos outros enigmas para depois sair.
Sinto-me o vértice mais distante de um triângulo opaco.
Continuo a procurar no fundo dos copos de aguardente uma qualquer resposta ou até mesmo um sinal se lhe quiserem chamar assim, oiço o bastardo a cantar até mesmo quando não quero, leio os poetas mais sangrentos e viscerais, cravo as unhas e rasgo, carne, papel, ódio. Continuo a olhar para as mulheres com uma sede lasciva, causam-me calor no corpo frio que trago, olho forte para elas e tenho pensamentos de vilania, pelos miados de Zorbas e seus companheiros, que vergonha depois tenho deles, mas que saudade do corpo quente e trôpego, de nos arrastar-mos pelas ruas entre beijos molhados e já sem intenção, apenas beijos embriagados pelo álcool e pelo calor absurdo da paixão. Quantas mulheres já eu destruí.. Ainda a pouco encontrei uma que não via à largos anos, que mal lhe fiz, usei de seu corpo pequeno e frágil como nunca ninguém havia abusado dele, enchi-lhe a mente com poemas bonitos e e promessas de paz (olha lá bem isto, paz!) levei-a a locais de amantes para a beijar fundo e deixar embriagada deste perfume que os que pensam ser poetas trazem. Uma noite saí, nunca mais a olhei nos olhos nem falei para ela, se bem me lembro só disse – Adeus. – enquanto  olhava para a porta aberta, na noite seguinte estava noutra cama, nunca na minha mas na de outra, um outro corpo, algo novo para explorar e enganar, novos poemas a ler.
Sou um monstro, minha mente, cada vez mais doente.
Ainda esta madrugada fugi, com um pensamento fixo na mente, um fiozinho estreito de luz e agarrei na fuga, pensei que ia fazer todas as horas de caminho com a mesma ideia, era uma resolução forte, fazia todo o sentido, tinha acabado de me oferecer uma migalha, e ia aproveitar, tal a loucura que estava no peito pensei logo em ir e parti. Suficientemente longa foi a viagem para que a solidão voltasse a ser boa companheira, levou-me ao portão, olhar para a varanda envidraçada tocar a campainha e dizer – Posso dormir contigo, só esta manhã?!.. Tudo o que possa acontecer depois é contigo. – pés na terra, não alimentes este fantasma, não sejas cruel, estás a ser egoísta e a maltratar novamente alguém que já tanto abusaste, essa porta está fechada e em paz, essa sinto em paz. Envia-lhe um beijo agradece o tanto que já fez e ainda faz por ti (veio, para mim é necessário, não consigo tolerar o abandono. andei sempre a pedir ajuda nos locais errados) e dorme.
Mas neste longo ano que passou algo mudou, abriu-se uma outra porta, uma que a tinha encerrado à tanto que já nem me lembrava bem do que lá estava dentro, uma fonte, rodeada de quatros fortes e velhos plátanos, uma roda que já não funciona e uma torneira de brilho destoante, velhas paredes caiadas com risca amarela, uma luz que já lá estava noutra altura e as mesas com o tabuleiro de xadrez gastas não do uso mas da solidão e do abandono. Ainda lá está cravada na lateral da fonte a pequena cruz que fiz com as minhas mãos ensanguentadas de raspar a cal e depois a velha argamassa, agora está lá, mas pintada de branco. “A porta do coração, às vezes teima em abrir”, nunca antes tinha percebido este verso como agora, não há controlo sobre isto, não há a mais singela coisa que possa fazer, não existem gestos românticos, dolorosos poemas lidos em voz alta para que os oiçam do alto da varanda. Nada que possa pensar fará a porta fechar ou ficar aberta, ela abre quando quer e todos temos a porta do coração.
Resta-me viver meus dias entre poemas e canções, trabalhar para ter o dinheiro para as garrafas de aguardente e todas essas coisas que são demais necessárias para um dia a dia. E continuar esta minha tão destrutiva e poética caminhada em procura do algo maior.

Obrigado Cliché, por leres as minhas palavras, eu e a solidão cá esperamos noticias tuas pois saudades temos de estarmos novamente em harmonia. Sempre foram as metáforas que nos uniram.

Gregório.

PS: Quando voltares tenta avisar com um pouco de antecedência, para poder fazer um jantar de regalo para nós, é que aprendi umas receitas fantásticas nos ultimos tempos e tenho uma garrafa de Chaminé ali à espera desse dia.

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